terça-feira, 29 de junho de 2010

A vida como arte



                Eu gosto da beleza. Temos o gosto pelo que é belo. Somos todos artistas. Aprendi na psicologia que arte é o que é produzido pelo desejo do indivíduo. Tudo o que é construído livremente por nós, livre das barreiras impostas pela sociedade, família, ou qualquer influência a que possamos nos submeter, é arte. “O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida; que a arte seja algo especializado ou feito por especialistas que são artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida?” (FOUCAULT, no livro “Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica.” Pág. 261). Eu sou arte e a artista de mim mesma.
                Às vezes, no entanto, e com bastante freqüência, desejo ser arte aos olhos dos outros. Desejo ser admirada, desejo caber no ideal do que os outros tem de arte e beleza. Mas arte não é justamente um não-padrão? Arte é justamente a liberdade de construção de si, e não um encaixar-se no que deseja o outro. Ser belo é relativo, quando se é belo, se é sempre aos olhos de alguém. Pois eu já desejei muito ser bela aos olhos de todos, ou quase todos. Confesso que ainda tenho esse desejo louco. Acredito que a maioria de nós ainda vê a beleza segundo um modelo externo, um modelo de beleza construído por outros, pois o mundo em que estamos inseridos está aí a todo o momento para nos lembrar de quem deveríamos ser. Acaba que a maioria acha mais belo quem está mais em conformidade com o padrão. Já sofri por não me encaixar exatamente nisso. Quem se encaixa exatamente? Todos escapamos de alguma forma do padrão. Sempre tem um detalhe que não se encaixa. E aí queremos mudá-lo. Que loucura! Que droga ter que viver assim. Tem que se viver assim?
                Não, Yasmim, há outros modos de viver. Provavelmente nem todos vão me achar sensacional, mas por que eu quero que todos me achem sensacional? Eu hein. E dá-lhe terapia. Mas, resolvendo essa questão, partamos para a outra: há outros modos de lidar com o que somos para nós e para os outros. Eu opto por lutar e não me render a ser o que querem que eu seja, embora eu ainda não consiga isso sempre. Não é ser exatamente o contrário do que querem de mim, é ser simplesmente o que quero, o que dá, o que tem a ver comigo, mesmo que esse ser coincida até mesmo com o que querem de mim. Quer dizer, mesmo que você queira ter as características que fazem parte do padrão, que esteja consciente da sua escolha, e saiba, que em algum momento você não vai se encaixar neste padrão, e isso não tem que ser motivo pra frustração.
                Diversas pessoas ao longo da minha vida me elogiaram e me disseram coisas maravilhosas que tenho, o que admiram em mim. Mesmo assim, insisto, em algum momentos, em achar que não sou boa o suficiente pra alguns. Perda de tempo. Quanto tempo perdi observando defeitos aos olhos de alguns. Compreendi, no entanto, que tem pessoas que tem olhos que me enxergam. Tem pessoas que tem os óculos certos para ver a minha arte. Sei muito bem que posso ser bela, às vezes esqueço, mas tenho o grande presente de ser lembrada disso. Quem tem o olhar disciplinado pelo padrão provavelmente não vai me ver. Não é que todos os apreciadores da arte vão necessariamente gostar da minha arte. Mesmo quem tem liberdade no olhar pode não apreciar o que tenho, mas certamente alguns deles vão. Não que exista um eu mágico que apenas alguns verão. Cada um verá uma coisa diferente. Mas tem uns que só vêem o que já estão treinados a ver, e não a riqueza do que se tem a oferecer. Não deixe seu olhar perder a riqueza do que o outro tem. Não esqueça do quão rica você é. Gosto de quem me olha e me vê, mesmo tendo a própria interpretação da minha arte, mas me vê. Ao contrário dos que olham um quadro, e ao invés de apreciá-lo, vêem um espelho. Há muitas pessoas que não vêem o outro, não prestam atenção na relação com o outro, mas vêem apenas o que já está escrito no seu código de certo e errado, bonito e feio. “Metade da beleza das coisas está em quem as contempla” – meu pai me disse uma vez.
                É neste sentido que digo que não tenho um tipo preferido de pessoa. Não tenho um ideal de homem, não tenho um ideal de amigo. Embora eu saiba, claro, de algumas características que sei que não gosto. Mas mesmo assim, não me importo em quem você seja, contanto que consigamos estabelecer uma relação interessante. Relação interessante, para mim, é quando os partícipes dela se sentem bem juntos. Não tenho um tipo. Espero conhecer a pessoa e ver se a minha arte sintoniza com a arte dela. Se não sintonizar de cara, e houver vontade, damos um jeito de tatear nossas “almas” e descobrir em que ponto ficamos numa vibe mais próxima.
                Na vida o que há são encontros, como disse Spinoza, e como me lembrou uma nova amiga, uma nova obra de arte sintonizada. Se não nos conectamos agora, pode ser que nos conectemos depois, em outras vibes, em outros momentos, porque tudo muda. Quero, apenas, lembrar sempre que tenho algo de especial que pode fazer conexões fortes com algumas pessoas, e com outras não, mas isto faz parte.  

(Resolvi quebrar o protocolo que eu criei, e postar algo que eu mesma escrevi agora.  Não gosto muito de escrever, ainda. "Escrevo porque preciso" - Clarice Lispector).

8 comentários:

Unknown disse...

Esqueceu de dizer que a beleza e questao de costume... Nao gostava do seu olho claro mas acabei me acostumando ;) Acho que nossos sentidos se desligam de certos detalhes e gostos depois de um tempo!

Jorge disse...

Sensacional! Continue escrevendo sempre que precisar!!
adorei!

Lucille disse...

É, eu tinha razão. Dei uma olhada rápida mais cedo e agora que li tudo com calma, concluo: vc escreve muito bem. Estou meio bege, não sei direito o que dizer. Mulheres inteligentes me atraem, me enchem de orgulho e vc, sem dúvida, faz parte do seleto grupo das mulheres que eu passaria um dia lendo. Escreva mais, exercite mais esse teu lado artista-escritora-psicóloga. Claro, desde que seja prazeroso pra ti. Porque para quem lê, certamente será.
Beijos enormes!

Leuca Menezes disse...

Filha estou orgulhosa de você.
Descobri que tenho uma filha escritora e das boas. Suas palavras são sabias e demonstram como você é sensivel.
Viver realmente é uma arte
Parabéns Yasmim

Pith disse...

Olha só o que faz a convivência... bom pra você.
Parabéns.
Eu.

Verônica disse...

Nossa! Arrasou Yasmim!E brigada pela honra, apesar de vc não ter citado que a nova amiga sou eu!rs Mas falando sério, eu concordo com tudo que vc disse. É exatamente isso, a gente se preocupa muito em sermos aceitos pelos outros e não nos damos conta que esquecemos de sermos nós mesmos. Sempre seguindo um padrão, e ainda temos que ser rápidos, pois tudo muda assim...de uma hora pra outra, e ai da gente não seguir. Acho que esquecemos de admirar uma obra de arte como realmente deve ser admirada, e se com a arte fazemos isso... o que dirá com as pessoas! Mas ainda acredito num despertar, num abrir os olhos...e vê a pessoa como ela realmente é. Se não agradar paciência, mas pelo menos não me iludi!

Osvaldo França Fº disse...

Palavras sábias sempre parecem paradoxais.
Foi difícil me apartar da admiração causada pela leitura da sua brilhante citação.
Fiquei feliz com a sua destreza, já estou sonhando com seu livro...

Rafael Luz disse...

Que bom que você se encontra nesse estágio, que eu considero evoluído. Foi um verdadeiro e precioso conselho pra mim.

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